Hoje Apetece-me Escrever Sobre Isto

Hoje sinto-me feliz. Ou melhor, sinto-me realizada, o que será um pouco exagerado, porque a realização pessoal sempre parece advir de coisas muito maiores do que isto.

De manhã, ao tomar o pequeno almoço, liguei o computador, como faço sempre. Não gosto de comer a olhar para a parede, e assim fico logo a par do que se passa no dia.

Na plataforma para a qual escrevo, em Inglês – a Book Riot – alguém chamou à atenção um artigo que foi escrito pelo The Washington Post acerca de Jane Austen. O artigo, com o título “Jane Austen Era A Mestra Do Enredo Do Casamento. Mas Permaneceu Solteira.” Ao longo do artigo há palavras como “solteirona/tia” onde, em comemoração do aniversário da escritora – a 16 de Dezembro –  a autora do texto se limita a dissecar a vida romântica de Austen. Como se uma mulher se definisse pelo seu estado civil e, ainda mais ridículo, como se fosse possível a um autor escrever apenas sobre aquilo que já vivenciou.

O twitter não se fez esperar nas respostas a tal post – sexista e sem sentido – e houve até vários autores a fazerem sarcasticamente a idiota relação entre as coisas que escreveram e aquelas pelas quais realmente passaram.

No Book Riot alguém sugeriu escrevermos um post onde colocássemos as melhores respostas ao  The Washington Post em relação a este artigo e eu, que nunca antes tinha feito um artigo com tempo de entrega e na hora, lá achei que conseguia fazer aquilo. Fazer uma introdução sarcástica em relação ao artigo sobre Austen, copiar e colar tweets, fácil, certo? Talvez. Mal cheguei a casa, o síndrome do impostor atacou e eu fiquei ali, a achar que devia ter deixado o post para alguém com mais conhecimento de causa e skills; nunca tinha escrito um texto assim à pressão, nunca tinha feito um texto deste género sequer e, embora eu adore livros e tenha lido já muitos na vida, quando ouço o pessoal que faz parte da plataforma falar sobre literatura, sempre fico com a sensação de que toda a gente sabe muito mais do que eu. O que, provavelmente, é até verdade, mas não deve em momento algum tirar valor àquilo que eu sei: não é uma competição, é uma forma de eu querer aprender com eles e melhorar.

A entrar ligeiramente em pânico, com a certeza de que toda a gente me ia achar uma fraude, lá comecei a escrever o texto. Escrever nem foi o pior: o pior foi que eu nem sabia como a) procurar todos os retweets de um tweet para ver e seleccionar melhor as respostas mais hilariantes e b) eu nem sequer sabia quantos tweets incluir no post. Andei a pedir ajuda, completamente consciente da minha ignorância, que se deve apenas, descobri no fim, ao facto de eu contribuir para a plataforma há muito pouco tempo.

No final, consegui reunir aqueles que eu achei os melhores tweets, e entregar o artigo ainda hoje. No final, entendi hoje, consigo escrever sobre pressão e, com um pouco de ajuda, sempre consigo encarar novos desafios e finalizá-los.

Caramba, a satisfação final valeu o pânico inicial e, no futuro, pode ser que poupe o pânico à custa disto. Até porque, se eu não tivesse tentando fazer um post destes mesmo sem ideia nenhuma de como o fazer, ainda agora continuava sem sabê-lo.

Eu sei, eu sei que isto é muito pouco para alguém se sentir realizado. Um nada, no meio de todas as coisas, mas eu fico feliz com pouco e isso vai sendo uma benção e uma maldição mas, na vida, são estes poucos que muito me fazem caminhar para a frente.

Carina Pereira

Para verem todos os artigos que escrevi para o Book Riot, podem clicar no link

Mais Uma História Sobre A Minha Mãe

É uma vergonha eu aproveitar-me da minha família para criar conteúdo no blogue, mas há histórias que a minha mãe conta que eu acho serem precisas aqui neste espaço. A minha mãe muitas vezes me diz “tu és tão engraçada”, mas eu tenho a sensação de que fui buscar a minha veia que se julga cómica a ela.

Como costume, da mesma forma que aconteceu com a outra história que eu contei aqui sobre a minha mãe, eu estava ao telefone com ela a falar sobre as prendas de Natal. Como vivo longe e ficaria demasiado caro enviar presentes daqui, todos os anos sou obrigada a arranjar as coisas de forma a surpreender toda a gente, o que requer alguma ginástica: dás o presente daqui que chega desta loja a esta pessoa para ela embrulhar e compras este presente para aquela e embrulhas, agora este é para aquele e aquele é para este, faz-me isso, por favor. Basicamente, são recados para um e recados para outro a ver se tudo corre bem.

Comprar prendas para a minha mãe é fácil, porque ela também gosta de ler, por isso é uma maravilha aceder ao site da Wook e tratar da prenda dela sem grandes problemas. Já o meu pai, preciso sempre da ajuda da minha mãe, porque eu nunca faço idea do que ele precisa.

Ao combinarmos o que dar ao meu pai este ano, conta-me a minha mãe que lhe pediu, como prenda de Natal, três livros. Então, num fim-de-semana destes, lá foram os dois até ao outlet onde a minha mãe costuma comprar livros a bom preço, em Vila do Conde, ver as promoções. A minha mãe encontrou lá uns livros que lhe agradaram, o meu pai comprou-os e disse-lhe: agora embrulhas que é só para leres depois do Natal, ao que a minha mãe responde “é claro!”.

Isto tudo conta-me a minha mãe, com entusiasmo. E remata, com um tom maroto: já li dois.

Ao ouvir isto, sozinha aqui deste lado, olho para o lado, como quem olha para uma câmara invisível, a precisar de dois segundos para assimilar o que ela me acabara de dizer.

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E desfiz-me a rir.

Mais: se acham que o meu pai sequer desconfia disto, acham mal. Pelos vistos a minha mãe disse-lhe que queria começar a ler outro livro qualquer e o homem anda enganadinho a achar que ela ainda está a acabar esse.

O espírito Natalício lá em casa, como se vê, é rei.

Carina Pereira

 

O Dia Em Que Eu Pensei Que Ia A Um Concerto De Natal E Acabei No Meio De Um Culto

(A minha amiga vai-me matar por eu contar isto, mas se eu não conto isto, eu morro.)

Uma amiga minha foi convidada para um concerto de Natal e pediu-me para a acompanhar. O facto de ela ter dito que o concerto de Natal era com música religiosa não me surpreendeu porque, bem, era um concerto de Natal. Ela tinha-me também dito que era um concerto de Natal rock, por isso, na boa, lá concordei ir; na altura em que ela me convidou eu não tinha muito mais a fazer a não ser ficar em casa sem fazer nada.

Chegámos ao local do concerto e, logo à entrada, há um placard bem grande com o tema do concerto: Wake Up 4 Jesus. Ohoh, pensei. Oh.oh.

Entrentanto, em conversa e já sentadas nos nossos lugares, a minha amiga menciona que aquilo é um concerto organizado por umas pessoas com quem ela trabalha, que é organizado pelo grupo religioso do qual a cliente dela faz parte, que é Evangelista. Grande Ohoh. 

(A minha amiga não fazia ideia daquilo em que consiste a práctica da religião Evangelista. Já eu, para o bem ou para o mal, sabia perfeitamente.)

O concerto começou pouco depois das 19h00 e a minha amiga tinha prometido à cliente lá ficar até às 20h30, visto que tinhamos uma festa de aniversário nesse dia.

As músicas não eram – apesar do conteúdo religioso – más. A banda era boa, até. Tudo corria bem até a sala inteira se começar a levantar e a cantar de braços erguidos, até eu ouvir Améns gritados como quem num concerto de rock entoa “hell, yeah!”, e até o vocalista começar a pedir às gentes para olhar para o lado, para a frente e para trás, e abraçar os vizinhos. Olhei para a minha amiga em pânico e pedi-lhe que, pelo amor de Deus – ahah, que ironia que essa noite foi em relação a expressões linguísticas – olhasse para mim, para que ninguém do lado, da frente ou de trás, nos viesse abraçar.

Senti-me tão hipócrita e tão cínica naquela hora, não porque eu ache que sou obrigada a acreditar numa religião, mas senti-me como se eu fosse uma espiã ali infiltrada; eu não partilho as crenças daquele grupo, mas ali estava eu a ver o espectáculo e a achar uma loucura e exagero a fé dos outros. Ali estávamos nós a tentar não nos rirmos, por piada e por quase pânico, por nos sentirmos quase no meio de um culto. E, caraças, nunca uma hora e meia demorou tanto a passar.

De repente, a banda sai do palco, o vocalista agarra numa Bíblia e eu quase que morri ali na hora. Pronto, é agora que nos descobrem, pensei. É agora que nos exorcizam os nossos demónios interiores. Mas não. Ele falou e falou, basicamente disse que havia pessoas que tinham à sua frente o caminho para a liberdade – o Senhor – mas que achavam, porque ouviam os maus conselhos de outros, que a liberdade não existia. E eu ali, a saber que aquilo, não sendo dirigido especificamente a mim, era uma mensagem para mim e para todos os não-crentes.

Que Deus nos livre disto, sussurrei à minha amiga, apercebendo-me de imediato que Deus é que nos tinha colocado ali.

Finalmente, o sermão acabou, as 20h30 chegaram e nós saímos de mansinho. Se Deus quiser, para nunca mais.

Carina Pereira

 

Nota: não tenho qualquer tipo de problema com quem acredita, tem fé e a practica. Para mim, foi simplesmente estranho ver-me num ambiente quando não sou crente numa religião e não a practico. Senti apenas que estava num lugar no qual não tinha sequer direito a estar. E, para mim, isso foi tão assustador quanto hilariante. 

Não-Poesias | #12

Que loucura viver

Sem se ser

Louco

Que loucura

Se cada beijo

Não souber a pouco

E o amor

Não for temor

De te perder

Que loucura achar

Que sensatez

É viver no meio

No entre

Se é o invés

Que loucura viver

Sem se ser

Louco.

Carina Pereira

in “Não-Poesias”

 

Uma História Sobre A Minha Mãe

Eu ligo aos meus pais aos fins-de-semana, e esta semana terminei a chamada com uma história que, pessoalmente, achei hilariante e, nos meus trinta anos de vida, a minha mãe nunca me tinha contado.

Começou porque o meu irmão faz um pão-de-ló excelente, mas há um ingrediente que ele lá coloca que ninguém sabe qual é, excepto a minha sobrinha, que não o revela a ninguém. Vai daí, a minha mãe nota que ela é como eu era em criança: segredos eram sagrados e não se contavam. Mas, isto não era bem assim, porque houve uma excepção, uma história que me contaram e que eu, na ânsia de que um primo do Brasil que nos visitara me achasse engraçada, acabei por contar, colocando uma prima em xeque. Afinal, vendi o segredo dela só para ter piada, e lá se foi a minha reputação de infância de nunca contar nada a ninguém.

Mas vamos à história da minha mãe.

Quando ela tinha vinte e um anos havia um rapaz interessado nela; o jovem era mais novo que ela uns três anos, então a minha mãe não estava interessada nele porque o achava muito novo – três anos, imaginem a desgraça! No entanto, em vez de lhe dar logo o fora, explicou-lhe que podiam continuar a ser amigos e quem sabe, até podia ser que um dia ela viesse a gostar dele (que jogo de cintura, mãe!). O moço, as esperanças ainda não estando todas por terra, perguntou-lhe se podia ir esperá-la à fábrica onde ela trabalhava de vez em quando, para saírem como amigos, ao que a minha mãe responde que sim.

Entretanto, uma amiga da minha mãe informa-a de que há um primo dela que tem os olhos nela, se a minha mãe estaria interessada em ir sair com ele (isto é que era agenda social, não saí nada a ela) e a minha mãe disse que não o conhecia bem, mas para mandar vir. E ele veio.

No dia seguinte, estava a minha mãe na fábrica a preparar-se para sair, quando uma colega nota que estão dois rapazes lá fora e pergunta eita, quem são as duas que hoje vão namorar?, a minha mãe olha pela janela… e eram os dois para ela!

Escusado será dizer que ela a modos que “panicou” um bocadinho, explicou às amigas da fábrica o que se tinha passado e tentaram ver a melhor forma de resolver a encrenca. Afinal, ela tinha dito ao primeiro moço, o mais novo, que podia aparecer de vez em quando na fábrica. E ele apareceu. Só com o pequeno inconveniente de ter aparecido no mesmo dia em que a minha mãe tinha um date combinado com outro. Coisas da vida.

Vai que não vai, quando a minha mãe olha de novo pela janela, os dois tinham ido embora. Mais tarde, ela veio a saber que, tendo metido conversa um com o outro, os dois moços chegaram à conclusão que estavam ali à espera da mesma. Pior, tinham os dois afirmado que estavam à espera da namorada. Daí, saíram de fininho.

Eventualmente, a minha mãe acabou por namorar com o primo da amiga e, eventualmente, terminou com ele porque, segundo ela, era mais velho do que ela, mas mais imaturo do que o outro rapaz, que ela achara novo demais.

Isto tudo só para demonstrar que a minha mãe tem muito mais dating game do que eu alguma vez tive, ou vou ter. De todas as coisas que eu poderia ter herdado…

Carina Pereira

Não-Poesias | #11

Ah, quando dizemos adeus!

Esse adeus que vamos desfiando

Dos laços que ainda nos prendem

Qual barco seguro atracado ao cais.

Esse adeus que afinal

É sempre um até logo

Porque a razão, por ela, não volta

Mas o coração

Ah, o coração sempre ganha.

Carina Pereira

in “Não-Poesias”

Nesta Rua

Foi nesta mesma rua

Que tanta vez

A minha alma tomou bênção e maldição;

O que me sobra agora,

Se em tudo o que transbordaste,

És só memória que me enche a solidão?

Nesta rua entreguei contra o teu corpo

Coisas que só o amor sabe fazer

E a cada história que levavas dos meus lábios

Era eu menos e, ainda assim, mais

Do que viria hoje a ser.

Nesta rua inventei novos caminhos

E davam todos eles ao teu ponto de começo;

E em sorvos lentos eu acabava no teu peito

Em sorvos lentos veio o fim que agora meço.

Cada pedra foi alicerce e foi tropeço

A cada curva eu te perdia e te achava

Nesta rua foste o mapa que eu seguia

Quando, ao perder-me, me encontrava.

Há-de haver nesta rua algum recanto

Que tu não habites ou possuas

No entretanto

Vou olhando

O fundo de copos vazios

Sem memória de outras ruas.

Carina Pereira

Não-Poesias | #9

Fujo de onde estás.

Viajo por aí para além de

Outro oceano

Outro continente

Outro hemisfério.

É inútil fugir para longe daquilo

Que reside em nós;

Carrego-te assim à volta do mundo

Como quem carrega o fardo de uma morte anunciada.

Não posso fugir de mim

logo

Não posso fugir de ti.

Carina Pereira

in “Não-Poesias”