Boteco Das Tertúlias|#2 O Outono Na Minha Cidade

Chegou Outubro e, com ele, mais um encontro no Boteco Das Tertúlias. Este mês mostro-vos o Outono na minha cidade do coração. Não é a cidade onde agora moro, mas é a única a que chamo minha sem hesitação. Póvoa de Varzim: nortenha, litoral. Lar.

*

No Outono a minha cidade cheira a maresia. A mar bravio, de encontro às rochas, num vai e vem onde bailam as algas e que lava da areia as pegadas incautas. No Outono a minha cidade tem mais vento, e faz mais frio, mas o sol sem chama aquece por dentro, quando o cheiro a castanhas assadas corre por entre as ruas.

siglaspoveiras

As calçadas são a preto e branco e têm siglas e às vezes, no Outono, trinam quando a chuva que cai as lava. O farol, na ponta do cais, perde as cores, e os vermelhos e brancos que o pintam esfumam-se por entre o nevoeiro. A sua luz, essa, espraia-se sobre o mar cor de petróleo, trazendo os pescadores, filhos da terra, para casa.

Farol

No Outono na minha cidade as aragens fogem pelas vielas, assobiando por entre as frinchas, qual piropo mal lançado quando o amor nos faz ridículos. E a cidade, rendida, dá-lhe oferendas cor de ferrugem: são folhas ou pedaços de amor.

No Outono a minha cidade vê o sol pôr-se no Atlântico e depois salpica o céu com as estrelas do hemisfério Norte, cor mais forte na cauda da Ursa Menor, para que Apolo saiba o caminho de regresso àquele oceano. E na noite, os gritos das gaivotas que namoram a praia dão lugar aos rumores de amores escondidos.

No Outono a minha cidade despe-se de gente, mas quem cá fica ainda sente os cabelos lavados pelo sal, a pele acariciada pelas línguas estrangeiras que se esvaem a pouco e pouco, e as portas entreabertas deixam adivinhar conversas com pronúncia mais subtil, mais nossa.

Ainda se ouve, no afamado café de outrora, alojado sobre o areal, os versos que José Régio lá escreveu. E nós, presos ao destino que ele assim traçou, também trilhamos caminhos por onde os outros não vão. Mas é Eça, nosso em tudo, nascido do ventre desta terra, que nos conta as intrigas e os romances proibidos, e nos olha com simplicidade por cima do seu monócolo de marfim.

homenagem-rotary-jose regio-diana bar-2 Eça_de_Queiroz_-_Póvoa_de_Varzim

No Outono há flores e peixe no mercado, e os barcos descansam na lota sob a coragem atenta do mestre Cego do Maio, até ser hora de partir.

cegomaio1

No Outono a minha cidade é a mesma de sempre. Sou eu que a embrulho com palavras como lãs acolhedoras, tricotadas pela saudade que sinto de a sentir assim.

povoa

Carina Pereira

*

Os restantes textos deste boteco podem ser encontrados nos seguintes links:

A Limonada Da Vida

ByCatarina

Espresso And Stroopwafel

Life’s Textures

*

fontes das imagens:[x] [x] [x] [x] [x] [x

5 thoughts on “Boteco Das Tertúlias|#2 O Outono Na Minha Cidade

    • contadordestorias diz:

      Muito obrigada, Catarina! É pequenina, mas gosto muito dela, só a parte junto à praia vale a pena para dar um passeiozito. Se um dia decidirem ir para aqueles lados avisa, eu posso dar-te umas dicas do que fazer (vai envolver maioritariamente comida. 😀 )

      Gostar

Deixe um comentário