Dear White People | A Série

Tenho a impressão que, pelo menos em Portugal, não se fala muito de racismo, embora a xenofobia seja discutida em várias plataformas. Ou talvez se acredite que o racismo na Europa, em contraste com o racismo nos Estados Unidos, seja mais subtil. Os nossos jornais não noticiam muitos dos crime de ódio que ocorrem do outro lado do Atlântico, mas através do Tumblr consigo acompanhar um problema que existe desde sempre na história dos Estados Unidos da América: a morte de jovens de cor às mãos da polícia.

Não me sinto muito à vontade para falar sobre este assunto porque, embora siga com atenção alguns movimentos anti-racismo, como #BlackLivesMatter, não sou uma pessoa de cor. Mas também não estaria a fazer a minha parte se não divulgasse uma série com um assunto tão premente e importante.

Todas as pessoas brancas são, quer o queiram admitir quer não, racistas. Basta pensarmos um pouco, por exemplo, naquilo que imaginamos quando lemos um livro. Quando leio uma história imagino sempre as personagens como sendo brancas, a não ser que haja alguma indicação em contrário no texto. Isso pode não ser uma forma agressiva de racismo, mas é racismo. Somos criados numa sociedade assim, por isso o melhor é aceitarmos esse facto e agirmos com vista a contrariá-lo. Há que fazer uma introspecção do porquê de nos insurgirmos tanto quando uma personagem que sempre foi representada como branca passa a ser representada por um actor negro. A nossa revolta, se assim se pode chamar, às vezes só mesmo a nossa surpresa, vai muito além do ser fiel à personagem, está sim na forma como crescemos e somos educados a ver as diferenças entre nós e a acharmos que elas são significativas, que há uma patamar a separar-nos por causa dessas diferenças. Que a personagem, por mudar de etnia, cor, seja o que for, vai ser menos válida, vai perder a sua essência. Ninguém se devia importar de o novo James Bond ser, ao contrário do que tem sido estes anos todos, negro. Até porque acho o Idris Elba um actor muito mais competente e com um estilo muito mais na mouche para fazer de James Bond do que, por exemplo, o Tom Hiddleston ou o Orlando Bloom.

A série da Netflix, Dear White People, não fala disto per se, mas fala sobre representação. Fala das notícias que não passam, na sua maioria, nos nossos jornais, sobre os miúdos desarmados que são mortos nos Estados Unidos pela polícia. É claro que vai haver sempre quem argumente que se eles foram alvejados é porque mereceram, eram thugs, roubaram alguém, ou cometeram um crime qualquer. Mais uma vez, talvez isso se deva a uma falta de informação tremenda, ou talvez seja puro racismo, a falta de informação é tantas vezes isso mesmo.

Há imensas histórias, infelizmente, que se podem pesquisar sobre este assunto; ainda me recordo do miúdo de 12 anos morto por um tipo branco; o tipo, desconfiado porque um miúdo negro ia a atravessar a rua com algo na mão, ligou para o 911, que lhe deu ordem para ficar no carro mas, apesar do miúdo não levar mais na mão do que um pacote de skittles, o tipo contrariou as ordens do 911 e atirou para matar. O miúdo morreu, o tipo branco ficou com pena suspensa até ao dia em que foi agressivo para com uma pessoa branca, levado a tribunal, e finalmente condenado. É esta a América de hoje, sempre foi esta a América. Daí que o homem branco que matou nove pessoas negras numa Igreja tenha sido escoltado de casa para a esquadra da polícia com um colete à prova de bala e a comer um hamburguer que os polícias lhe compraram pelo caminho. Isto é verdade, podem pesquisar os casos com a hashtag #BlackLivesMatter e vão encontrar tudo isto, e pior. A música 41 shots do Springsteen foi inspirada num dos incontáveis casos como este. Antes fosse ficção.

Só gostava que a série tivesse falado mais sobre estas circunstâncias; foca-se sobretudo nas diferenças raciais de um liceu nos Estados Unidos, de corrupção e do poder do dinheiro mesmo num meio tão pequeno como uma escola, das conhecidas Black Face parties que toda a gente parece achar muito normal, no facto de, a maior parte das vezes, as queixas e lutas justificadas das minorias serem descartadas como “queixas sem fundamento vindas de pessoas que se ofendem com tudo”. Acho que quanto mais estivermos dispostos a entender os outros, a perceber as suas queixas e a sua revolta, quanto mais tentarmos ouvir em vez de nos tentarmos defender, mais este tipo de situações e atitudes podem mudar.

A série parece-me, com justificação, dirigida a uma comunidade que sabe bem daquilo que se está a falar, porque já o sentiu na pele, mas também com vista a acordar a comunidade branca, que não faz ideia das lutas diárias das comunidades segregadas.

Vejam. Vejam todos. Não fechem os olhos às coisas que vos incomodam, porque vos apontam o dedo e porque vos fazem reconhecer a vossa culpa. É quando deixamos de ter medo de admitir os nossos erros que podemos deixar, finalmente, de os repetir. Ganhamos todos com isso.

Carina Pereira

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